Saturday, August 24, 2013

A Adúltera

Mais uma quinta chega. Ela acorda, sem felicidade, mas sorrindo. Para onde caminha carrega aquele aparelho, e o espia de vez em quando, a qualquer instante poderá surgir uma notícia, um tal imprevisto, mas isso é só precaução porque as quintas parecem benzidas, diria um padre, tudo dá certo. Uma cartomante avisou que ela não mudasse o dia da semana, porque ela tem sorte nas quintas. Vá entender essas previsões, e ao menos existem, será? Bom, só se sabe que nas quintas tudo parece escorrer e flutuar, até os afazeres de casa, que ela rejeita, tudo escoa muito rápido. Imagina se ela gostasse de velar um bolo, faria mil guloseimas nas quintas, porque além da quinta ser dia de bons fluidos, ela está leve, sorrindo para o vento. O que será que paira nas quintas? As vizinhas sempre comentam que ela está feliz, sorrindo, meio à toa, isso nas quintas. Ela responde com o silêncio, carregado de reserva e discrição. Uma adúltera sempre é séria. Não qualquer adúltera, mas aquela que compreende sua condição. Essa não sorri fácil que é para não dá espaço para rumores, sejam lá quais forem estes. Uma adúltera compreendida sobre si mesma, ela não quer dá espaços para falas desnecessárias, ela prefere o silêncio. O silêncio salva uma adúltera, porque a ausência de respostas é um abismo escuro, onde não se encontram certezas. O silêncio pode ser e pode não ser isso que ronda a cabeça da vizinha peçonhenta. O silêncio é a escuridão onde se vê tudo e não se detecta absolutamente nada. Voltando as quintas, sem fugir do silêncio. Nas quintas, ela está mais silenciosa do que de costume, o marido até percebe, mas ela continua meio muda. Isto revela bem o conjugue, ele a enxerga sim, a ama sim, a presenteia sim, a elogia sim, nem por isso as quintas, para ela, deixam de ser dias necessários. De fato, possui um esposo atencioso, mas é adúltera. Uma adúltera que tem tardes de luxúria às quintas. Ah, quintas inefáveis! Cheias de fantasia, prazer e um pouco de culpa para não se tornar nitidamente perversa. Sabendo da sua condição, nas quintas até o ritmo do passo muda, ela anda devagar, como se a pressa denunciasse o desejo dela de encontrar o outro. Na rua, seu olhar é focado na parte frontal do seu itinerário, não ousa olhar para os lados, sabe-se lá se um conhecido está à espreita. Ela sabe que sua discrição desmesurada a entrega, ela sabe que sua reserva desmedida denuncia algo. Algo que ninguém tem a coragem de lhe falar porque ela é excessivamente séria. De repente alguém até já a flagrou, mas desacredita no que viu, tamanho é a sisudez da adúltera. Tantas vezes a adúltera desejou ser flagrada por um corajoso, que não se intimidasse com a máscara densa da face dela. Alguém que a sacudisse sobre ela mesma, pois quando o sol se põe nas quintas, ela sempre retorna para casa, satisfeita porque saciou seus fantasmas, mas algo fica sempre pendente, a sua luta por não desejar este desejo de adulterar.

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